quinta-feira, 2 de setembro de 2010

Dia 12 – Um conto

Pra ser bem sincera, nunca gostei de contos. Por que? Bem, porque eu não conseguia escrever um na aula de redação, e isso acabava comigo. Não conseguia inventar uma história fantástica, com um desfecho de suspense como a professora pedia. Mas aí, eu fui lendo e lendo livros, e li também muitos de livros de contos, e percebi que não precisa ser uma história fantástica, não precisa tanto ter esse suspense. Como uma crônica, um conto também pode ser tirado de fatos corriqueiros do dia-a-dia.
Vou postar aqui um conto de uma escritora que gosto muito, Ana Miranda, só li um livro dela, mas me apaixonei por cada palavra que ela escreveu.



PONTO DE CRUZ
Eu me apaixonei por um homem, ele visita minha mãe de tarde, em nossa casa chega perfumado e tímido, as moedas tilintando no bolso de seu paletó, engasga nas primeiras palavras mas depois ele conversa com ela e passa a mão nos meus cabelos, sinto minha pele se arrepiar mas ele não percebe o sentimento que me causa, pensa que sou apenas uma criança e crianças quando sentem mostram o que sentem, mas eu não mostro, é forte a tentação de acompanhá-lo com os olhos, eu não entendo o que eles conversam, olho o homem enquanto ele a olha a bordar no bastidor, vejo-o levar a xícara de café aos lábios, ele me dá uma moeda e me diz para ir à padaria comprar um confeito, faço o percurso concentrada e só percebo o mundo de fora quando sinto o gosto doce da bala derretendo na minha língua, volto para casa e ele ainda está sentado na frente dela, no mesmo lugar mas um pouco pálido como se o seu coração tivesse parado de bater, eles permanecem em silêncio, ele segura a mão dela e a beija, em seguida vai embora, às vezes esquece de se despedir de mim, ela fecha os olhos, quando o ruído do carro dele desaparece ela chora em silêncio, suas lágrimas caem nos pontos de cruz, ela evita olhar para mim e depois que ele vai embora ela olha o relógio da parede de instante em instante ou fica diante da janela perdida longas horas olhando o gramado, algo esvaziou seus olhos, seu corpo, ela abraça e beija o gato, quando o animal escapole de seu colo eu o abraço e tento beijá-lo da mesma maneira mas em vão, olho o relógio porém não vejo nada, nem o tempo passa, eu não espero que o homem volte, até mesmo esqueço que ele existe, minha vida segue como a água da chuva que escorre procurando os subterrâneos, quando o homem reaparece eu lembro que o amo, amo a presença dele e não a sua ausência, um dia talvez eu vá amar a ausência de um homem, quiçá, não sei o nome dele, esqueci de perguntar, mas o nome dele não é importante, o nome de ninguém importa, sei quem ele é, pressinto sua alma, as esferas de sua existência, o calor de seus gestos e o rumor de sua voz, sinto em meu corpo a paixão que sente por minha mãe.

(Extraído de Noturnos)

xoxo. :*

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